21/02/06

A GLÓRIA DO RIBATEJO NA POESIA DE ALEXANDRE O’NEILL

“O CHAPARRÃO DE GLÓRIA”
OU “O CASO DO CAMIONISTA ARBORICIDA”
De um chaparro se orgulhava
Glória, a do Ribatejo
chaparrão tricentenário
- uma árvore que botava!-
e à volta da qual dançava
o povo homenageário


Não digo que ele chegava
em seu poder tutelar
ao carvalho de Guernica
esse carvalho sagrado
à sombra do qual os reis
- contrariados, quem sabe? –
Juravam, por sua fé
respeitar as liberdades
dos Bascos, povo de lei
gente que foi o que foi,
gente que é o que é


O Chaparrão de Glória
- trezentos anos contados –
nunca quis crescer na História
nunca foi bombardeado
como a árvore de Guernica
pela Condor, legião nazista.
Iria morrer, coitado,
- e isto já se antecipa –
aos golpes de um camionista.
De qualquer modo, o chaparro
de Glória do Ribatejo
era o mais velho da terra
- objecção não prevejo! –.
Como não ia ao Café,
iam ter com ele, não é?


Ora um dia, um camionista
- que eu chamo de Maximínimo –
sentiu no toutiço a crista
de galo de muita briga
e resolveu – que menino! –
à falta de rapariga
(“Espera aí, que eu já te agarro!”)
bater no velho chaparro.

Por que tascas se arrastara
p’ra estar assim tão à rasca?
Camionista que se preze
e transporta anchas cargas
conta tanto com as árvores
como conta com a estrada!


Ao grito: “Democracia
e…portanto mando eu!”
o camião já enfia,
o pobre desse sandeu,
contra o chaparro ancião
e com as vigas de cimento
- a carga que transportava –
tantas vezes lhe batera,
tantas vezes lhe bateu
que o chaparrão derrubava
e em três estúpidos tempos
nos três séculos matava
o aprumo da terra ao céu!


E assim, p’ra vossa memória,
aqui fica a triste história
do Chaparrão da Glória.


P.S. às autoridades
Se encontrarem o camionista,
não receiem, por favor
que ele não é nenhum bombista…
Tirem-lhe a carta e a crista
e tratem-no com rigor.

Alexandre O’Neill, In Poesias Completas, pp.423 - 425

1 comentário:

jacinta disse...

Parabéns pela agradável surpresa que é este blog. Há tantas coisas que ainda me lembro quando vejo estas fotos...
PS: Modéstia à parte, fui eu que descobri este poema quando procurava uns poemas para declamar na apresentação de uma exposição na cabana dos Parodiantes.É bem engraçado não é?
Continua a glorificar a nossa bela terra: a Glória!